Hoje espetei o dedo em uma farpa de madeira. Sempre que uma delas entrava em
meu dedo era meu pai que me salvava. Com sua mão grande e pesada, ele adquiria
um cuidado e precisão admiráveis. Uma farpa, quando invade nossa couraça protetora nos provoca dor, mas a
única maneira de não deixar que o restante do corpo padeça é cutucando-a para extraí-la o quanto antes. Espreme-se o dedo,
belisca com uma pinça, espreme um pouco mais, até que ela se entrega e a retiramos
para alívio imediato.
Engraçado que o mesmo ocorre quando a ferida é no coração. O problema é que não existe pinça para isso. Ela fica lá, latejando, inflama o humor, incomoda o sono, arde o olho.
Assim como o corpo se move rapidamente para defender-se do que está causando
a dor enquanto o local afetado melindra cuidados, nestes momentos temos a
ligeira impressão que o mundo está indiferente, rodando acelerado, enquanto nós
estamos fragilizados, impactados, desacordados... Tal qual o conto da Bela
adormecida.
Coincidência ou não, estas tais farpas que um dia me atingiram também foram
tratadas pelo meu pai. Sua paciência, seu abraço e seu conselho me
proporcionaram diversos momentos de alívio. Ele me ensinou que é preciso ter
coragem: espremer, remexer, forçar a ferida até que se desprenda aquilo que
me feriu. E esta experiência de sabor amargo pode ser passageira... se quisermos.
Pelo menos penso que era nisso em que acreditava Carlos Drummond de Andrade
quando dizia
“A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.”
Quando provamos de um remédio do qual o gosto não nos agrada, a primeira
reação que temos de é implorar: - Água, por favor! O mesmo acontece com nossa
alma: anseia o alívio do choro. Pois, já sabia Antoine de Saint-Exupéry que
“a gente
corre o risco de chorar um pouco quando se deixou cativar...”
Então, se me permite um conselho: chore. Sem reservas. Deixe o luto ocupar seu devido lugar no tempo
para que ele não seja eterno. Até quando dormirá? Seja dono de si e decida por
lutar, correr atrás, virar a página antes que conto acabe em meio a uma pilha
de livros empoeirados e perceba que o tempo não volta mais.
Por fim, escrevi. Pois, assim como Clarice Lispector:
“um amigo me chamou
pra cuidar da dor dele, guardei a minha no bolso. E fui.”