quinta-feira, 26 de abril de 2012

Corredeiras

Há alguns dias escrevi este texto sobre o tempo. Queria postá-lo no dia do meu aniversário (último dia 5), mas, como iria viajar no mesmo dia, a correria me impediu. Tive a vantagem de refleti-lo ainda mais em meio a linda paisagem que desfrutei durante o feriado. Mas depois que voltei, veja que ironia: ainda não tive tempo de divulga-lo. Como falar de algo que eu nem tenho!! Além disso, fotografei durante a viagem a imagem que comporia este post: o dono da máquina ainda não teve tempo de me mandar... Chego a me questionar se ele existe de verdade! Só me atento ás horas duas vezes ao dia: quando desperto e imploro que 5min tenha o mesmo efeito de 5 horas, e quando vou deitar, onde sempre me surpreendo. Como passa rápido!
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Há 20 anos frequento a mesma paróquia. Dia desses a caminho de lá passei pela rua da casa marrom. Quando criança, eu e mais uma cambada apertávamos sua campainha antiga e corríamos feito foguetes. Nela morava uma senhora que, para nossa imaginação, mais parecia uma bruxa. Ela, coitada, sempre atendia já aos gritos e tentava em vão nos alcançar, mas, o peso do tempo lhe fazia desistir na esquina... Até poucos meses atrás ainda ríamos da velha bruxa da casa marrom.
Desta vez a paisagem mudara. Passando pela enésima vez neste caminho, agora já mais grandinha e bem menos corajosa, vi no muro uma placa divulgando uma empresa de demolição e no fundo uma montanha de tijolos. Por alguns segundos não consegui me mover: “o que aconteceu?” O novos imponentes prédios ao redor me respondiam: “o tempo passou.”  Me perdoem a pieguice, mas me emocionei. Parte de minha história se emaranhava naqueles entulhos: as brincadeiras, o primeiro beijo, o caminho para o futebol, para o crisma, para a missa. Tudo no chão, exceto o portão... e sua irresistível campanhia.
Na última viagem que fiz ainda me martelava esta história. Olhando para as corredeiras da cachoeira em que molhava meus pés, expliquei a um amigo onde ficava a nascente. Com muita espontaneidade ele sussurrou: “então é sempre água nova...” Ele, sem saber, me fez entender o tempo. Lutar contra nos faz perder a liberdade de viver. Algumas pessoas se apegam tanto ao que passou que se tornam musgos presos a pessoas, bens, experiências. Vivem de projeções do já se foi. E isto exige delas um enorme esforço: se prender as pedras as impedem de participar de novas paisagens e crescerem!
Todo aniversário de mulher é um dilema: quantas velas vão no bolo? Desculpe. Não tenho vergonha da minha idade, tenho vergonha do que deixei de viver até aqui. Não é o envelhecer que me assusta, mas o medo de não ter vivido o tempo do agora enquanto olhava para trás. Talvez seja esta a grande vantagem da inocência das crianças: o tempo não é um inimigo, é um convite...  Aperta a campainha e corre junto!

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