segunda-feira, 26 de março de 2012

Magenta

Voltei a desenhar. Não, ainda não tenho um novo desenho pronto para divulgar. Na realidade voltei a desenhar desde que me recordei da alegria de ver traços e cores se misturando. Comprei novos pastéis, pincéis, papéis. Cada folha em branco é um convite! É como mar no verão, bolinha para o cão, festa de pés no chão... Novamente, vida no cavalete!

Quando fui apresentada a um Monet, aos 9 anos na aula de Educação Artística, me lembro como se fosse hoje: não conseguia piscar. A atividade exigia que o reproduzíssemos. Travei. Mas como professora?! Não existem estas cores no estojo! Não há amarelo mais vivo e azul mais delicado! Era lindo demais para meus rabiscos... Mas foi exatamente ele que deu vida ao meu fascínio pelas artes. Segundo Rubem Alves “é fascínio que acorda a inteligência”. Realmente: o que seria de Ludwig van Beethoven, Candido Portinari, Santos Dumont, Fernando Pessoa e muitos outros sem o incontrolável fascínio?! Assim como lindamente exclamou Adélia Prado: “Não quero faca nem queijo. Quero é a fome!”.

Você deve estar se perguntando: "então porque parou?" Também me fiz esta pergunta: Sindrome de Centopéia.
“Conta-se que um dia, um gafanhoto encontrou-se com uma centopéia (...).
- Dona Centopéia, eu tenho pela senhora a maior admiração. Deus Todo-Poderoso me deu apenas seis pernas. Para a senhora ele deu cem. Assombra-me a elegância tranqüila do seu andar. Todas se movem na ordem certa. Jamais vi uma centopéia tropeçar. Mas, por isso mesmo, tenho uma curiosidade: quando a senhora vai começar a andar, qual a perna que a senhora mexe primeiro?
- Obrigado pelos elogios, senhor Gafanhoto – respondeu a Centopéia – Sua pergunta é muito interessante porque eu mesma, até hoje, nunca pensei no assunto. Sempre andei sem pensar. Perdoe minha ignorância. Jamais fui à escola do andar certo. Não fui conscientizada. Andei sempre um andar ignorante. Mas agora vou prestar atenção...
Conta-se que desde esse dia a Centopéia ficou paralítica.” (ALVES, Rubem. 2011)

Hoje, curada da paralisia, percebo que a técnica é ferramenta e não condição para o ‘criar’. E por fim, a frase guardada no meu porta-treco de Guimarães Rosa fez todo o sentido: “O que um dia vou saber, não sabendo, já sabia...”.

Não sei desenhar como Monet, mas certamente esta paixão me dá tudo o que eu preciso...

“Ainda que eu falasse a língua dos homens e a dos anjos, se não tivesse amor, seria como sino ruidoso ou como címbalo estridente. Ainda que tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência; ainda que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse amor, eu nada seria.” I Cor 13, 1-2

quarta-feira, 21 de março de 2012

Em mim e fim

Uma das coisas em que menos acreditava na vida era a chamada “química” que existiria entre as pessoas. Sempre achei este conceito vago. Tinha de haver alguma justificativa lógica e pronunciável para as relações humanas. Simples assim: é explicável, portanto existe. Felizmente, o que a sede de saber me proporcionou nos últimos tempos foi uma reflexão sobre o “não saber”.
Ouvindo um amigo, vaguei pelo conceito de “química”. Lembrei-me que as coisas que mais desejamos, que nos atraem, despertam anseios fisiológicos: um frio na barriga, o suor das mãos, a falta de ar. Nas relações entre homem e mulher, isto é mais aceito, mas não mais entendido. Como podem algumas pessoas nos atrair tanto e de diversas maneiras sem um processo lógico de começo, meio e fim?
Algumas amizades nascem no olhar. Óbvio que se consolidam com o tempo, mas nem todas precisam dele para crescer. Algumas já nascem adultas! E, por ser tão bom senti-las, não se cobra o processo de entendê-las.
O sentir não é dizível. Posso descrever o sabor de um morango, mas seu corpo é que lhe demonstrará o sabor percebido. Isto explica porque alguns olhos famintos são tão tristes: nunca poderão comer como a boca! Para sempre portas de desejo.
Entendo então que o mesmo pode ocorrer com o Amor: já existir em si. Ainda que muitas vezes não saibamos descrevê-lo, sua evolução é visível. Mas seu nascimento não se vê: ele já estava lá, no fundo do olhar! É no processo de saboreá-lo que surgem as palavras. Basta lhe dar um pouco de ar para ele incendiar.
Ar. Me diz: o que sentes quando respira?
...
Só o que consigo sentir é o meu peito ardendo e minha boca cheia d’agua. O saber em mim deu espaço para o respirar: quimicamente mudo.

Fruta mordida

Como sempre, as conversas que tenho durante o dia, ainda que rápidas, remexem meu porta treco. Não consigo evitar: tenho fome de pensar. Confesso o pecado da gula reflexiva. E, assim sendo, assumo o risco iminente de indigestão.
Mais recentemente, em um dos meus “banquetes” fui surpreendida por um alívio estomacal. Falávamos sobre felicidade, sua ausência e sua presença. Prato feito, supostamente, sem novidades ao paladar. Porém as frases “Deus quer que você tire a pedra! (...) Ele nos deu a parte que nos cabe” quiseram mais que me saciar.
Nas minhas últimas orações, nas quais evito pedir qualquer coisa, me peguei pedindo a Deus que me amasse como amou a Lázaro, retirando a pedra que me oculta: “Jesus pôs-se a chorar. (...) Vede como ele o amava!” João 11, 35-36. Mas se Ele o fizesse, como lidar com o medo de sair de lá de dentro? Lá reina o conhecido, o controlável. Todo o ser humano tende a evitar a frustração! Pensando nisso, me remeti ao Mito da Caverna de Platão (A República, livro VII), escrito entre os anos 385-380 a.C. Prisioneiros que foram acorrentados em uma caverna , só conseguiam ver as sombras que eram refletidas na parede por uma fogueira mantida constantemente acesa. Quando um deles é libertado descobre, com os olhos doloridos pela força claridade, a beleza e grandeza daquilo que estava “fora”. Para Platão, o conhecimento é o que liberta o homem: quanto maior a amplitude do pensamento, ainda que se exija um pouco de “dor", maior a sensação de liberdade.  “Mas quem anda de noite tropeça, porque lhe falta a luz.” João 9, 10. A escuridão que acomoda, limita! “Vós sois a luz do mundo.(...) Não se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire” São Mateus 5,14-15.
Ali, no meio da digestão, me senti profundamente amada: o poder de libertar meus sonhos me foi dado gratuitamente! Óbvio para a razão que nem sempre rege o coração. Percebo que o Verbo feito carne, feito homem, que nos alimenta de Sua Palavra, a todo o momento nos convida a experimentar o sabor incomparável da liberdade. "Conhereis a verdade e a verdade vos libertará" João 8, 32. E, como escreve sabiamente Pe Fábio, “mais vale uma verdade amarga que tenha o poder de nos fazer crescer, do que a mentira adocicada que nos mantenha acorrentados no cativeiro da ignorância” (Quem me roubou de mim?, 2008). 
Ainda que em minha boca os sabores insistam em se confundir, por fim, tive o apetite renovado.

quarta-feira, 14 de março de 2012

De volta



Caixa escondida pela poeira. Quando a reencontrei, nem lembrava o que lá tinha. Ao abri-la, um espelho. A quanto tempo não me via!